Moinho das Covas

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Moinho

das

Covas
Ramada

"...(D. Quixote) encomendando-se de todo o coração à sua Senhora Dulcineia para que lhe valesse naquele transe, bem coberto da sua adraga, lança em riste, arremeteu a galope dobrado de Rocinante, investindo com o moinho que lhe ficava em face. Dando-lhe um lançada na aspa, acto contínuo o vento o ergueu com tanto ímpeto que lhe fez a lança em pedaços e, arrastando cavalo e cavaleiro, jogou-os num rodopio e muito maltratados pelo campo fora".

Cervantes, in "D. Quixote"

Em jeito de introdução histórica

Ainda o homem dava os primeiros passos sobre a Terra, no longo e longínquo paleolítico, lascando pedras para facas, machados e pontas de flechas, e, com a ajuda de alguns aparelhos rudimentares, já triturava e moía raízes, frutos e grãos silvestres que usava na alimentação para satisfazer a mais premente das suas necessidades. Para obter a farinha triturava os grãos com duas pedras lisas, uma maior e fixa (o pouso) e outra, menor e móvel (a mó). Estava-se na pré-história da agricultura e era este o processo usado no Egipto e noutras civilizações há muitos milhares de anos.

Quando os nossos avós remotos começaram a semear grãos, isto é quando descobrem a agricultura iniciando assim a primeira revolução económica da história humana, desenvolvem um vastíssimo conjunto de utensílios que, muito mais tarde, darão origem aos moinhos.

Primeiro foram os almofarizes, o pilão, o metate, a mó de rebolo, a mó rotativa, e muitos mais. Depois, com a invenção da roda hidráulica, começou-se a aproveitar a força das quedas de água para accionar moinhos e azenhas, activando a moagem. Mas, percebendo o potencial de trabalho do vento, o homem, denotando um aproveitamento racional da natureza como força motriz para o desenvolvimento harmonioso (que infelizmente parece hoje uma noção tão deslocada da realidade), recorreu também à força eólica, e assim aparecem os primeiros moinhos de vento.

Em Portugal, a primeira citação a um moinho a vento é feita num documento datado de 1303.

Os moinhos, gigantes invencíveis que povoaram o imaginário das crianças e adultos de outrora, foram um elemento marcante na paisagem da Europa durante a Idade Média, e na região da Mancha o escritor Cervantes eternizou-os através de D. Quixote, numa das páginas mais belas da literatura espanhola.

Em 1941 o conselho de Loures tinha 32 moinhos de vento (para além de 27 azenhas) recenseados, sendo ainda um dos maiores transformadores de cereal da área saloia. Mas com o passar do tempo estas máquinas artesanais, que durante séculos serviram de sustento a muitas famílias, entraram em decadência por confronto directo com as novas tecnologias na indústria moageira, e a profissão de moleiro deixou de ser economicamente rentável.

A consequência imediata desta situação foi o abandono dos moinhos, um pouco por todo o lado. Seguiu-se então um longo período de apatia, em que os moinhos estiveram entregues a si próprios e onde o curso do tempo acabou por derrubar as fracas resistências da maior parte, destruindo-os por completo.

Em Portugal, durante muitos anos a situação deste sistema tradicional de moagem foi trágica. Actualmente, a maior parte dos moinhos que ainda resistem está votada ao esquecimento. Mas, felizmente, ainda se encontram, de norte a sul, alguns moinhos de vento em laboração, e muitos outros foram recuperados para fins turísticos, culturais, recreativos, hoteleiros e mesmo habitacionais. A situação parece começar a viver dias de uma glória transformadora.

Neste domínio a Câmara Municipal de Loures tem vindo a empreender um trabalho de recuperação exemplar, e o Moinho das Covas, na Ramada, que se vem juntar a outros no concelho de Loures, serve de testemunho paisagístico, social e económico de um passado recente das nossas terras que é imprescindível salvaguardar.

Mestre Timóteo Martins

Construir o mecanismo de um moinho é uma arte tão difícil que, actualmente, em todo o distrito de Lisboa, há apenas dois homens que sabem recuperar moinhos de vento. José Timóteo Martins, responsável pela reconstrução do Moinho das Covas, é um deles.

Para quem não domina este saber a (re)construção de um moinho parece ser uma tarefa fácil, no entanto não é assim, pois, "cada caso tem a sua medida", como afirma o mestre Timóteo, natural de Mafra.

O artesão, que aprendeu a arte aos 15 anos com o pai, também ele "engenheiro" de moinhos, foi igualmente o responsável pela reconstrução do moinho da Apelação (concelho de Loures).

"Ao princípio estava tudo em ruínas, eram só paredes com buracos e ervas", mas isso não foi suficiente para o mestre Timóteo desistir pois "isto parece muito difícil a mim não custa nada a fazer. É como aprender a ler ou a fazer uma conta".

"Não há livros que ensinem a fazer as peças do moinho. Está aqui tudo dentro da ideia", diz o artesão, apontando para a cabeça, e acrescentando de seguida "sou o maior vaidoso desta obra".

Tem 59 anos, e na Ramada deu vida a um engenho construído originalmente quase 60 anos antes do seu próprio nascimento.

Enquanto admira o moinho vê crescer no seu coração um sonho: ter um moinho só seu.

Moinho das Covas

O concelho de Loures foi uma das áreas, na zona saloia, de maior transformação de cereais, sendo por isso natural que um número significativo de moinhos desse à paisagem do concelho um tom pitoresco.

No entanto, desde os tempos áureos deste sistema tradicional de moagem até aos nossos dias, correm décadas em que os moinhos do concelho, e do País em geral, pareciam caminhar para uma inglória extinção.

As rápidas alterações constantemente introduzidas pela invasão do urbano sobre o rural, e a consequente transformação da paisagem, pareciam ter deixado marcas irreversíveis no quotidiano deste edifícios. Mas, no sentido de não deixar perder definitivamente este património riquíssimo que fez o dia-a-dia dos nossos antepassados há muitos anos atrás, a Câmara Municipal de Loures meteu mãos à obra, e em estrita colaboração com juntas de freguesia e outras entidades, tem vindo a empreender, ao longo dos últimos anos, um trabalho de recuperação exemplar.

O Moinho das Covas, na Ramada, que vem juntar-se a outros já reconstruídos no concelho de Loures, serve de testemunho paisagístico, social e económico de um passado recente das nossas terras que é imprescindível salvaguardar.

A ideia de recuperar o moinho, onde está perspectivada a criação de um espaço de exposição didáctico, remonta há alguns anos atrás. O projecto foi-se consolidando e, dia 25 de Abril de 1996, com verbas provenientes da Câmara Municipal de Loures e da Junta de Freguesia da Ramada, o sonho foi tornado realidade após nove meses de trabalhos de recuperação. A gestão do moinho é conduzida pela Escola Secundária da Ramada, que conta com o apoio da Junta Freguesia da Ramada e da Câmara Municipal de Loures, estando previstas a realização de diversas exposições e visitas guiadas para escolas e população, desde que previamente marcada.

Porque está inserido no espaço geográfico de um estabelecimento de ensino secundário, o aproveitamento do moinho pode ainda abarcar quase todas as áreas de formação, sempre com enormes possibilidades de enquadramento nos programas do ensino secundário.

Construído em 1884, o Moinho das Covas ganhou um coração novo e vestiu-se de branco e azul, estando pronto para comemorar pleno de dignidade todas as ocasiões especiais, servindo para novos e adultos perpetuarem no presente e no futuro um elemento de características tradicionais e saloias de Loures.

No espaço do moinho, que se insere na tipologia definida para a província da Estremadura, para além da construção do chão com pedra de calçada antiga e da criação de espaços verdes, foi também edificada uma típica casa de moleiro que alberga um forno o qual, em determinadas efemérides, cozerá pão saloio com os grãos esmagados no próprio moinho.

Mas para além de todos os arranjos exteriores feitos no moinho, foi também recuperado o processo tecnológico original, que está completo, constituindo, por isso, uma oportunidade única para milhares de alunos e visitantes ficarem a conhecer de perto o processo de moagem tradicional.

O Moinho das Covas foi, originalmente, um moinho em alvenaria, movendo o capelo por intermédio dum sarilho interior.

No interior, a sua engrenagem está completa. Às velas brancas, sumptuosas na sua simplicidade, resta-lhes dançar ao som da música tocada pelo vento. A dança das velas faz mover o mastro. Presa nele, a entrosga engrena no carreto que, ligado ao veio, faz mover as mós. Quando o cereal é colocado dentro o teigão, desliza pouco a pouco pela quelha até cair no olho da mó. A mó, por sua vez, reduz o cereal a farinha.

Como tantos outros, este moinho tem dois pisos e uma loja. A cada um destes pisos corresponde um casal de mós. Usualmente a mó do piso superior chama-se alueiro e serve para moer trigo e a mó de baixo é a urgeiro e destina-se à moagem do milho ou outros cereais. A loja, por sua vez funciona como local onde se processam as tarefas relacionadas com o acondicionamento e venda da farinha. Estamos pois perante um belo exemplar destes "gigantes de vento", velhos companheiros da paisagem rural saloia que outrora pontificaram no alto dos montes destas redondezas.

Uma visita ao Moinho das Covas é, sobretudo, uma viagem ao conhecimento de uma das memórias rurais da herança cultural saloia do concelho de Loures.

A história, aqui tão perto, a recriar-se para todos.